Prefeituras e Câmaras Municipais do Ceará repassaram pelo menos R$ 13 milhões, desde 2005, a entidades representativas de prefeitos, vereadores e primeiras-damas
Erivaldo Carvalho e
Hébely Rebouças
Funcionários que não ganham sequer o salário mínimo, transporte escolar precário, postos de saúde fechados e problemas de infraestrutura. No geral, é essa a imagem da maioria dos municípios do Interior do Estado. A explicação dos prefeitos é quase sempre a mesma: faltam recursos para bancar todas as necessidades da população. Mas a desculpa de cofres vazios desaparece na hora de dar dinheiro, sem nenhum tipo de prestação de contas, para entidades privadas que congregam os próprios prefeitos, vereadores ou primeiras-damas cearenses.
São cifras milionárias. Um levantamento feito pelo O POVO revelou que pelo menos R$ 13 milhões foram repassados, nos últimos quatro anos, para a Associação dos Municípios e Prefeitos do Estado do Ceará (Aprece), União dos Vereadores do Ceará (UVC) e Associação das Primeiras Damas dos Municípios do Ceará (APDM). Os dados estão disponíveis no Sistema de Informações Municipais (SIM), do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM).
Enquanto instituições de classe de interesse privado, Aprece, UVC e APDM estariam desobrigadas a prestar contas a órgãos como o TCM. Isso, se não recebessem dinheiro público. Do contrário, prefeituras e câmaras municipais precisam deixar claro como os recursos são repassados e de que forma são gastos. Beneficiada com R$ 9,664 milhões, a Aprece é responsável por 73% do que foi emitido pelos municípios. A UVC recebeu outro R$ 1,84 milhão, ou 14%. Já a APDM embolsou R$ 1,67 milhão (13%). Os valores correspondem ao período de janeiro de 2005 a fevereiro de 2009. (veja quadro na página).
A obrigação de dar explicações sobre o que é feito com o dinheiro do contribuinte é prevista no inciso VI da lei 8.429/92, a chamada Lei da Improbidade Administrativa. Caso deixe de cumpri-la, o responsável atenta contra os princípios da administração pública – o que pode caracterizar omissão ou violação dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade.
Legalidade
Na última segunda-feira, questionado pelo O POVO sobre a legalidade dos repasses, o presidente do TCM, Ernesto Sabóia, informou que mandaria expedir uma circular para todas as prefeituras e câmaras municipais associadas às três entidades, pedindo informações sobre a legislação que permite os gastos e os tipos de convênios firmados. “Nós temos competência para fiscalizar esses convênios. Portanto, precisamos saber em que base legal foram firmados e como o dinheiro está sendo aplicado”, afirmou o conselheiro.
Entretanto, Ernesto Sabóia ponderou que o formato em que esses convênios devem ser feitos – se com ou sem necessidade de uma lei específica – não é consenso no meio jurídico. “Particularmente, considero um convênio quando os interesses coincidem. Se não, é prestação de serviço”, afirmou.
Mas, conforme destacou o presidente do TCM, independentemente do tipo de parceria, a necessidade de prestar esclarecimentos sobre os gastos é inquestionável. Apesar disso, curiosamente, nenhuma conta de prefeito ou presidente de Câmara foi desaprovada, até hoje, pelo Tribunal, por causa da não prestação de contas do dinheiro entregue às entidades. “É a primeira vez que o caso está sendo levantado”, reconhece.
O dirigente do tribunal disse ainda que como o dinheiro que sai dos cofres de municípios e Câmaras é gasto por terceiros, cria-se a necessidade de transparência tanto na origem como nos destinos dos recursos. É o que ele chamou de “responsabilidade solidária” de ambas as partes.
EMAIS
- O POVO calculou os valores repassados às entidades com base na variação do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), da Fundação Getúlio Vargas.
- Com os R$ 13 milhões repassados, daria para comprar 14 microônibus modelo 2009, com 24 lugares cada.
- Em 2008, o município de Jucás foi um dos que mais contribuiu com a Aprece, com R$ 29,8 mil. O atual prefeito, Helânio de Oliveira (PCdoB), reconheceu que não acompanha os gastos da entidade, mas disse achar que o dinheiro "está em boas mãos".
- Apesar de ter sido um dos prefeitos que mais repassaram verba à Aprece, Expedito Ferreira (PP), de Aracati, também disse não saber como a entidade gasta o recurso.
PERFIL DAS ENTIDADES
O QUE PROPÕEM?
Aprece: fundada há 41 anos, diz ter como missão “fortalecer o municipalismo e valorizar o agente político”. Propõe aos associados serviços como assistência jurídica e técnica, assessoria de comunicação social, dentre outros.
APDM: a função da entidade, criada há 22 anos, é desenvolver projetos nas áreas de infância, adolescência e família. Com a proposta de “resgatar a cidadania”, apresenta, como um de seus valores, “gestão compartilhada, senso de equipe e transparência”.
UVC: segundo o site do grupo, 70% vereadores do Ceará são associados à UVC, nascida em 1962. O objetivo é “lutar para resgatar o espaço que o eleitor exige que seu vereador ocupe”. Além disso, diz oferecer consultoria jurídica e contábil, capacitações, webmail, descontos em serviços, dentre outros.
São cifras milionárias. Um levantamento feito pelo O POVO revelou que pelo menos R$ 13 milhões foram repassados, nos últimos quatro anos, para a Associação dos Municípios e Prefeitos do Estado do Ceará (Aprece), União dos Vereadores do Ceará (UVC) e Associação das Primeiras Damas dos Municípios do Ceará (APDM). Os dados estão disponíveis no Sistema de Informações Municipais (SIM), do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM).
Enquanto instituições de classe de interesse privado, Aprece, UVC e APDM estariam desobrigadas a prestar contas a órgãos como o TCM. Isso, se não recebessem dinheiro público. Do contrário, prefeituras e câmaras municipais precisam deixar claro como os recursos são repassados e de que forma são gastos. Beneficiada com R$ 9,664 milhões, a Aprece é responsável por 73% do que foi emitido pelos municípios. A UVC recebeu outro R$ 1,84 milhão, ou 14%. Já a APDM embolsou R$ 1,67 milhão (13%). Os valores correspondem ao período de janeiro de 2005 a fevereiro de 2009. (veja quadro na página).
A obrigação de dar explicações sobre o que é feito com o dinheiro do contribuinte é prevista no inciso VI da lei 8.429/92, a chamada Lei da Improbidade Administrativa. Caso deixe de cumpri-la, o responsável atenta contra os princípios da administração pública – o que pode caracterizar omissão ou violação dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade.
Legalidade
Na última segunda-feira, questionado pelo O POVO sobre a legalidade dos repasses, o presidente do TCM, Ernesto Sabóia, informou que mandaria expedir uma circular para todas as prefeituras e câmaras municipais associadas às três entidades, pedindo informações sobre a legislação que permite os gastos e os tipos de convênios firmados. “Nós temos competência para fiscalizar esses convênios. Portanto, precisamos saber em que base legal foram firmados e como o dinheiro está sendo aplicado”, afirmou o conselheiro.
Entretanto, Ernesto Sabóia ponderou que o formato em que esses convênios devem ser feitos – se com ou sem necessidade de uma lei específica – não é consenso no meio jurídico. “Particularmente, considero um convênio quando os interesses coincidem. Se não, é prestação de serviço”, afirmou.
Mas, conforme destacou o presidente do TCM, independentemente do tipo de parceria, a necessidade de prestar esclarecimentos sobre os gastos é inquestionável. Apesar disso, curiosamente, nenhuma conta de prefeito ou presidente de Câmara foi desaprovada, até hoje, pelo Tribunal, por causa da não prestação de contas do dinheiro entregue às entidades. “É a primeira vez que o caso está sendo levantado”, reconhece.
O dirigente do tribunal disse ainda que como o dinheiro que sai dos cofres de municípios e Câmaras é gasto por terceiros, cria-se a necessidade de transparência tanto na origem como nos destinos dos recursos. É o que ele chamou de “responsabilidade solidária” de ambas as partes.
EMAIS
- O POVO calculou os valores repassados às entidades com base na variação do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), da Fundação Getúlio Vargas.
- Com os R$ 13 milhões repassados, daria para comprar 14 microônibus modelo 2009, com 24 lugares cada.
- Em 2008, o município de Jucás foi um dos que mais contribuiu com a Aprece, com R$ 29,8 mil. O atual prefeito, Helânio de Oliveira (PCdoB), reconheceu que não acompanha os gastos da entidade, mas disse achar que o dinheiro "está em boas mãos".
- Apesar de ter sido um dos prefeitos que mais repassaram verba à Aprece, Expedito Ferreira (PP), de Aracati, também disse não saber como a entidade gasta o recurso.
PERFIL DAS ENTIDADES
O QUE PROPÕEM?
Aprece: fundada há 41 anos, diz ter como missão “fortalecer o municipalismo e valorizar o agente político”. Propõe aos associados serviços como assistência jurídica e técnica, assessoria de comunicação social, dentre outros.
APDM: a função da entidade, criada há 22 anos, é desenvolver projetos nas áreas de infância, adolescência e família. Com a proposta de “resgatar a cidadania”, apresenta, como um de seus valores, “gestão compartilhada, senso de equipe e transparência”.
UVC: segundo o site do grupo, 70% vereadores do Ceará são associados à UVC, nascida em 1962. O objetivo é “lutar para resgatar o espaço que o eleitor exige que seu vereador ocupe”. Além disso, diz oferecer consultoria jurídica e contábil, capacitações, webmail, descontos em serviços, dentre outros.
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